cidade de deus: o filme certo, para o problema errado
desde que vi
cidade de deus, há uma semana, tem uma pulguinha me mordendo atrás da orelha. quando saí do filme, ouvi um cara, um músico que eu conheço de vista, comparando o filme ao
boyz in the hood, do john singleton. cheguei a parar o cara para dizer que ele havia tirado as palavras da minha boca, o que era mais ou menos verdade. segui conversando com minha companhia, tentando explicar o que havia me incomodado no filme. disse alguma coisa sobre
glamourização da violência, exageros, estilização, mas não consegui explicar o porquê, nem para mim mesma.
bem, pulga atrás da orelha, estava pensando no filme, lendo uma coisa aqui e outra ali, até que recebi um e-mail com os dados sócio-econômicos do estado do ceará (que eu terei o paradoxal prazer de mostrar, para desconstruir de uma vez por todas o império do sr. ciro gomes e seus asseclas, mas isto é outra história). e foi aí que me ocorreu:
o problema de cidade de deus é que mostra miséria, droga, violência, mas não mostra o real problema deste país: A DESIGUALDADE.
aí, caiu a ficha. é isto -entre outras coisas- que separa esta super-produção do mais humilde e, na minha opinião, infinitamente mais contundente
o invasor. este, sem a maestria cinematográfica e dramatúrgica que o
CDD de fato tem, acaba calando muito mais fundo em mim porque, quase sem-querer, bota o dedo fundo na verdadeira ferida deste país. incomoda. coloca a classe-média no balaio e não fica mostrando algo que, apesar de fisicamente perto, é distante o suficiente para ser visto com os mesmos olhos de quem vê
o poderoso chefão ou mesmo
boyz in the hood:
que merda é a vida deles!... como se fosse a nossa ignorância sobre a miséria em que vivem os excluídos que mantivesse a situação como está...
CDD é quase um ritual de redenção de culpa, como se vendo
a vida do lado de lá nós fizéssemos menos parte da elite que não move um músculo para mudar a realidade, por mais bem intensionada que queira parecer. pior, o filme ainda adota um visual estilizado e uma abordagem meio melodramática que torna ainda mais fácil a anestesia diante daquilo tudo. bastante como
o poderoso chefão ou o
boys in the hood, cada um a sua maneira.
não que eu ache que todos os filmes têm que ser como
o invasor ou que
CDD não tenha méritos. tem muitos, sobretudo técnicos. e não é que não precisa mostrar a vida
do lado de lá. precisa. o problema é que, com tanto marketing, corre o risco do filme virar paradigma, coisa que ele definitivamente não devia ser. além disso, com toda a exposição que o está tendo no exterior, vamos perder uma excelente chance de explicar para o mundo nosso verdadeiro problema. em vez disto, vamos, mais uma vez, mistificar a miséria e a violência deste país, ao gosto do cliente. e isto me deixa meio puta da vida...