e agora? (ou: o brasil é o país do presente)
um professor meu de colégio, de geografia, dizia que o pt era que nem aqueles cachorros doidos que correm atrás de carros: se o carro parar, eles não sabem o que fazer. talvez tenha sido assim; hoje, tem algo maior acontecendo: nós, os brasileiros, conseguimos o que até eu achava impossível, uma transição democrática, a esquerda no poder, um presidente ex-retirante. isto, em si, é um fato histórico, digno de comemoração. mas, passada a euforia da eleição, fica a pergunta: e agora?
agora, como já falei, é construir um novo país, e isto não é pouca coisa.
nós escolhemos o presidente, então, a responsabilidade é
nossa. de todo mundo. o país do futebol era (é?) também o do "quanto pior, melhor", o do "farinha pouca, meu pirão primeiro". mas o sensacional -e assustador- da democracia é que nada é para sempre. não é que o pt chegou à presidência da república e a gente pode voltar a esperar o carnaval. não. a gente deu um salto, provou -está provando- um grau de amadurecimento que só traz mais responsabilidades, mais compromissos.
como dizia meu pai, "para quem não sabe aonde quer ir, não adianta vento a favor". num país de eterna oposição, mais fácil é agir
cariocamente*: reclamar, tomar chopp e fazer uma passeata depois, quanto não tiver mais jeito. e reclamar e tomar chopp, novamente, claro. afinal, a culpa é, sempre,
deles: do governo, dos banqueiros, dos bandidos, dos corruptos. o desafio de ter um governo do pt, de um ex-retirante,
escolhido por nós, é não mais poder botar a culpa
neles, vendo a banda passar, tomando chopp, discutindo poeminhazinho sobre o meu coraçãozinho. sim, porque, num sistema democrático, mesmo quando o outro candidato é eleito, a responsabilidade é de todos os que votaram, que concordaram jogar o jogo da eleição direta, com todas as possibilidade abertas. e se isto, neste país cheio de ciclos políticos pouco democráticos, parece um conceito novíssimo -e, de certo modo, o é- é apenas porque nunca antes um presidente com uma posição radicalmente diferente e que veio da classe realmente trabalhadora havia chegado sequer perto do poder, muito menos diretamente, muito menos com 52.792.855 votos.
alguns dias antes da eleição, coloquei um cartaz do lula na porta do meu apartamento. sabia o risco que corria e -batata!-, dois dias depois, ele já estava riscado. depois, rasgado, aqui e ali. com a eleição, resolvi não deixar pra lá, e coloquei uma mensagem sobre o cartaz (ou o que restou dele):
não adianta pichar ou rasgar: o presidente está eleito, com 52.792.885 votos. o país é de todos, e a mudança só virá com a cooperação de cada um. vandalismo não é para quem quer um país sério. a moradora agradece. recorde: em menos de 12 horas, a nota foi rasgada ao meio. recebi os cumprimentos de um morador, é verdade, pela "boa resposta", mas acho que foi uma resposta meio metida, ainda sob a ressaca da eleição. é possível, provável até, que os
vândalos sejam adolescentes idiotas, sem nem mesmo qualquer convicção política, por mais débil. talvez nem votem, nem mesmo no serra. não importa, queria apenas era falar, dizer alguma coisa. a fala contra o silêncio emburrecedor.
tem uma sensação que está começando a me preencher e que, como sensação, eu ainda não sei explicar. mas faz sentido, sim, e muito. é poder, um passo além da potência. eu não sou política e, até certo ponto, não quero ser. sempre tive inclinações, mas, como típica ferreira gomes, o temperamento não colabora. me angustiava com uma certa contradição -desnecessária- entre arte e política. no rio e em sp, sobretudo, meus amigos artistas, de modo geral, eram os mais alienados do mundo; meus amigos da política tinham um suspeito gosto pela
arte engajada que me arrepiava os cabelos. como disse, a contradição é desnecessária. mesmo que o mercadante seja a única materialização da ética e da estética que eu conheço, as duas podem, devem e, de fato, andam juntas, nos melhores casos. daí porque filmes tão aparentemente apolíticos podem promover discussões éticas mais proveitosas do que a melhor reunião de partido. o maiakovski -acho- dizia que
não há conteúdo revolucionário, sem forma revolucionária. básico! no nosso caso, talvez o buraco seja mais embaixo: não há mudança maior, sem mudança menor. ou, como disse o já-elevado-à-categoria-de-quase-filósofo duda mendonça: se você não mudar, o brasil também não muda.
o que estamos presenciando -mesmo quando alguns preferem ignorar- é um momento absolutamente inédito nos pelo menos 502 anos de história deste nosso
país do futuro: o presente pelo qual lutamos, finalmente, tem chances de acontecer. mérito de todos os que participaram, mesmo os menos convictos. quem, como eu, ainda tem dificuldades de acreditar quando vê o lula como presidente eleito, na televisão, fazendo pronunciamento no púlpito, no planalto, anunciando o coordenador da equipe de transição, deve estar começando a entender que este presente é pululante, inebriante. não é preciso correr e se unir aos partidos, a diversidade, mais do que nunca, é importante. o que é preciso, urgente, é entender que,
depois do fato histórico é que vem a História. e você faz parte dela, mesmo que não queira.
(se uma única pessoa ler isto aqui, vou ficar pasma.)
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cariocamente, segundo o jabor. leia o artigo no link do post abaixo.