constrangedor e desnecessário
Cartas (Jornal O Povo)
[04 Dezembro 07h14min]
Madame Satã
João Francisco dos Santos vivia na Lapa, Rio de Janeiro, onde dividiu grande parte de sua vida entre a boemia e o cárcere. Tendo sua rica história com fio condutor, Karim A‹nouz ambienta o filme a partir de 1932, ano este em que o protagonista saiu da prisão.
Madame Satã? Sim, seu nome tem origem no filme homônimo pelo qual se apaixonara. Sensibilidade à flor da pele a ponto de não levar um desaforo sequer pra casa. Muitas vezes era mais macho que muito homem. Pessoa justa, pai postiço. Um bom coração.
No entanto, o resultado desse drama é um filme denso sombrio, uma realidade escancarada aos olhos de um espectador meio que indefeso com tantas cenas fortes, calientes. Polêmicas.
Contra minha moral, retirei-me da sala de exibição nos primeiros vinte minutos e fui vaiada. Não entendi, pois, após minha saída, outras pessoas se encorajaram e se recusaram a ver cenas tórridas e termos de baixo calão.
Vale salientar que respeito e me interesso pela biografia dessa ''personagem'' da década de 30, mas acho a forma conduzida constrangedora e desnecessária.
Camille Silva Sales, aluna do curso Publicidade & Propaganda da Unifor
Fortaleza-CE
eu não sei o que eu acho mais
constrangedor e desnecessário: gente que acha a homossexualidade algo constrangedor e desnecessário, ou gente mal educada, polícia do pensamento, que vaia quem exerce seu direito de não se expor a algo que lhe incomoda.
se substituíssemos as cenas de sexo do filme por cenas heterossexuais,
duvido que fossem tidas como
polêmicas. ainda mais porque não há um único
nu frontal no filme. ou melhor, há, mas não é uma cena de sexo, e é um plano
bem aberto. quanto a
termos de baixo calão, eu entendo menos ainda essa
mania do brasileiro, que fala palavrão a torto e a direito, mas quando ouve,
acha um horror. ah, tá, viado, baitola, féa duma égua não são palavrões. mas
cú é uma coisa hedionda, né?
madame satã, ou melhor, joão francisco dos santos era homossexual,
assumidíssimo. o diretor, também. ambos aparentemente mais tranquilos com
sua sexualidade do que muito hétero neste mundo. esse discurso do que é
desnecessário mostrar de sexo, sobretudo se não for o tradicional, hétero,
monogâmico e com muito amor, é muito arbitrário. afinal, quem estabelece o
limite do
desnecessário? somos nós, de
bom senso? bem poderia ser a TFP,
que ainda acha homossexualidade uma
doença. e aí? quem tem a razão? (ah,
tá, gay pode, contanto que bem longe da gente, né? se esconde aí, rapaz:
beijo na boca, cena de sexo, só pra tua turma. não expõe a gente a isso,
não. deixa a gente viver achando que vocês só andam de mãos dadas...)
ninguém precisa gostar de filme com cenas de sexo, homo ou hétero, com
palavrão, com droga, nem nada disso. eu, particularmente, acho um
grande indício de puritanismo, coisa que eu detesto e acho muito perigosa.
mas é apenas o meu ponto de vista. bastava fazer isso mesmo: levantar e sair
do cinema. ser vaiado é falta de educação de quem vaiou. mas se a leitora
achasse mesmo apenas uma questão pessoal, nao se preocuparia tanto. e nem
muito menos estaria tão confortável para achar a linha do filme
"constrangedora e desnecessária".
eu ficaria muito
constrangida se alguém dissesse que minha sexualidade, manifestada no meu filme, é
desnecessária. e você?
ps: segundo o relato de um amigo, a campanha o do filme em fortaleza foi ruim. depois do primeiro dia, com sessões de bom público, o boca-a-boca de moralistas esvaziou as salas. até parece que a TFP impera em fortaleza. ledo engano: população homossexual e-nor-me! será que o moralismo vem daquele pessoal que aparece em coluna social, com mulher e filhos, mas que é misteriosamente encontrado na
kiss, como era na
broadway?