samba-canção
ah, coração teu engano
foi esperar um bem
de um coração leviano
que nunca será de ninguém
(
coração leviano, de paulinho da viola)
eu sei: sou eu que crio e habito minhas fantasias. mas isto é -necessariamente- ruim? me diz: é ruim?
cá com os meus botões, eu não sei, não. sobretudo agora que o fato está claramente diagnosticado. no passado, sim: no passado, quando eu elegia fulano ou sicrano ou beltrano como O Homem Da Minha Vida aos cinco do primeiro tempo, era problemático. numa dessas, criei a forma mais certa e eficiente de me frustrar, quebrar a cara, ou seja lá que nome deva ter isso, isso de descobrir que -putz!- não era nada daquilo.
hoje, é outra história. acho/espero/imploro. depois de ter dado com os burros enfaticamente n'água, da vez em que achei mais ter acertado, hoje, eu sei. não descobri sozinha, não teria descoberto sozinha nunca. o fato de ter conseguido não eleger um novo messias do coração solitário aos cinco do primeiro tempo, por mais incrível que pareça, já foi um grande negócio. e -rapaz!- que negócio doido, esse de querer com todas as forças que o dono dos olhos tais e tais, a quem você acabou de conhecer, trocar sorriso, telefone ou os dois, isso de querer que ele seja O Homem -pior- de
saber com toda certeza que ele é O Homem, isso deve ser uma doença.
talvez seja bom manter essa vontade e criatividade como um hobby. um hobby de olhar para o cara da fila do café, distraidamente lendo kant, o cabelo enrolado, castanho-claro, caindo no rosto, os óculos escorregando no nariz, de calça cáqui e camiseta branca, sandálias, uma mochila surrada e uma ou outra ruga dos seus trinta e poucos anos, isso, de olhar pra ele e projetar uma vida inteira juntos, talvez deva sobreviver como um hobby. um que se insinua de longe, ao olhá-lo na fila do café, e que, diante de um olhar de resposta, pode ou não ganhar fôlego, e que nunca, mas nunca mesmo vai se transformar naquele recalque, naquele medo cretino de
se envolver, como se fosse uma doença, uma associação criminosa, um erro, um defeito. pois -sei lá!...- vai que, numa dessas, o cara do café olha de volta. vai que ele também foi vítima de um, dois ou setecentos corações levianos, que também vai ficar encantado quando descobrir que você ouve rodopiando pela casa de paulinho da viola a led zeppelin, que chora assistindo ao jornal nacional, que ama cachorro, quer ter filhos e gosta de dormir abraçada. vai que.